MIXED FEELINGS

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Eu estava sozinha, e até um pouco distraída, quando a enfermeira me chamou para vê-la. Eu me lembro de me sentir desarrumada, então passei as mãos no cabelo e tentei desamarrotar a saia, que bobagem. O olhar que importava ali era o meu, não o dela, que acabara de vir ao mundo, os olhinhos ainda sem saber o que ver.

Quando eu me aproximei do vidro, só uma criança apareceu para mim, ainda que houvesse outras por ali. Minha neta estava embrulhada na velha mantinha amarela, que também fora usada para receber minha filha, trinta e quatro anos atrás.

Estava acordada, mas eu não sei o que isso significa para um bebê. Eu estava acordada, de um jeito diferente: eu era avó. Mas eu também não sabia o que isso significava e nem tive tempo de pensar.

Uma pequena agitação tomou conta do corredor. Não era uma intensa agitação, era mais uma inquietude. Eu fui captada por aquela atmosfera. Dizem que o que é nosso não engana, outra bobagem. Entretanto, naquela manhã, esse dito foi verdade.

Eu não tinha como saber, não havia sequer indícios de que os passos apressados no corredor me afastavam de ser mãe. Quando vi meu genro, meus joelhos arderam. Ele não me explicou, claro, ele também não sabia. Ficamos ali, sem saber. Até que soubemos.

O corpo que eu carrego hoje, o corpo em que eu estou enclausurada desde que nasci de minha mãe, experimentou naquela hora seus únicos momentos de inexistência. Eu parei de estar ali por alguns segundos, ou minutos, ou não sei… Foi como se meu corpo tivesse ido procurar minha filha, mas ela não estava mais lá.

Ela mesma viu a própria filha apenas uma vez. Foi ela quem pediu para enrolá-la na mantinha amarela.         

Hoje, às vezes, muitas vezes, mas só de vez em quando, acontece mais à tarde, quando minha neta faz os deveres de casa, eu tento olhá-la como minha filha a olharia. Tento emprestar meus olhos, minha vida a ela, para que ele possa ver o que continua, e não o que se interrompe.

Os dias, desde aquele, têm sido assim: eu habito minha vida confusa, sem saber se quero me deixar para trás ou se quero seguir adiante.

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