DERRADEIRO MEDO

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Mesmo com todos os primos ao redor, aquele lugar lhe causava alguns calafrios. Talvez porque estivesse pouco acostumado com a natureza assim, crua. A vida na grande metrópole só lhe dava, ocasionalmente, em viagens de férias ou em passeios da escola, vislumbres de sua vastidão.

O passeio não incluía a entrada no bosque. Os pais e tios pediram para que ficassem por perto. Mas os primos e os amigos insistiram para que fizessem a peripécia.

Depois de algum tempo dentro da mata, logo perceberam que ele estava com medo. Talvez todos estivessem com medo, mas ele era o mais novo do grupo; tinha apenas oito anos. Talvez por isso, o escolheram como alvo das brincadeiras. Deram-lhe sustos, ameaçaram deixá-lo para trás, contaram histórias macabras. Ele sabia que nem tudo era verdade, mas o medo já estava acionado e amplificado.

Agora, antes que pensasse na crueldade daquele gesto, já havia uma distância que ele julgava irredutível: o menino percebeu que os outros estavam correndo. Ele não sabia do quê. “Por que estão correndo?”. Mas logo viu que eles estavam correndo dele. Para abandoná-lo, para amedrontá-lo.

Com forças de pernas e pulmões, ele disparou atrás do grupo, pois o medo do bosque e da noite que se aproximava não permitia que cogitasse outra reação. Contudo, seus passos não eram tão largos, nem a misericórdia dos mais velhos tão operante.

Ele foi, aos poucos, parando de ouvir os gritos, risadas e passos dos primos. Estava exausto, seu peito ardia. Então começou a andar de volta, para sair do bosque. Andou até que a noite chegasse.

Alguém parecia segui-lo. Por isso, de vez em quando, ele parava e aguçava os ouvidos. Perguntava pelos primos, se eram eles que ali estavam. Pedia que parassem com a brincadeira. Voltava a andar, mas o fim ou o início do bosque parecia sempre mais longe, ou em outra direção.

Ouviu uma voz, mas depois tudo ficou silencioso. Nessa hora, viu que seu corpo estava trêmulo; suas costelas e sua garganta pareciam vibrar de maneira sutil, mas constante.

Ele sabia que sentia medo, mas não conseguia discernir se era medo do bosque, medo de alguém dentro do bosque, medo de não achar o caminho de volta, medo de ser o menos querido entre os primos, medo de morrer naquela noite.

Em um dos poucos momentos de lucidez, o menino pensou que os pais e os tios já deveriam estar procurando por ele, e que estariam bravos, furiosos com a brincadeira desastrada, com a falta de companheirismo entre os primos. Sentiu até um pouco de conforto quando pensou que eles seriam castigados.

Sentou-se entre uma árvore e uma pedra, em um lugar que lhe pareceu um bom abrigo. Ficou atento para ver se ouvia alguma voz, ou alguma aproximação. De vez em quando, ouvia mesmo passos, e gritava: “Mãe? Pai?”.

Ele sabia, ele tinha certeza de que os pais já estavam procurando por ele. E era verdade. Eles estavam procurando pelo filho. Mas eles nunca o encontrariam. Nenhum dos primos nunca mais o veria. Com o tempo, esqueceriam até de sua voz, ou das brincadeiras. Se lembrariam, sempre, de seu nome, que, naquela família, tornou-se um sinônimo de tragédia.

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