COMO PROMETEU

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Por vezes, algum trecho cortado de meus escritos – por um motivo qualquer – avança sobre mim ferozmente. Come-me, devora-me. Faz isso facilmente, porque me pega desprevenido. E torno-me incapaz de defender o verdadeiro alvo do ataque: o texto pronto, firme: aquele que já disse a muitos o que lhe foi dado a dizer. Então apenas assisto o assalto de um filho ressentido contra seu irmão pródigo. 

Preocupo-me sem razão. O que está escrito é forte, bem mais forte do que o que já foi extirpado. Vence o que já havia vencido.

Então o renegado volta a mim. Sabe que é fraco para desafiar o que está já está estabelecido, mas poderoso para me enfrentar – já que nunca estarei pronto.

Ataca-me de novo. Devora-me, devora-me. Porque sou sempre mais fraco. Mas como não me acabo, fico como Prometeu, sendo devorado eternamente, expiando um crime tão bem intencionado.

Escrever dói. Reescrever machuca.

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