A DOUTORA QUE EXPLODIU
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Minha avó, Andrelina, fez uma amiga ainda na juventude, a Eleonor. Mesmo morando em cidades diferentes, foram amigas por mais de setenta anos e, juntas, são protagonistas de muitos dos causos da minha família, como esse, da carta que trazia uma notícia muito estranha.
Em um dia qualquer, a minha avó chegou muito consternada na mesa do almoço e falou com a minha mãe:
– Didi – que é como ele chamava a minha mãe –, você se lembra da médica da ‘Leonor?
– Não, mãe. Que médica?
– Do Samdu. – Samdu era a sigla para Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência.
– Não, mãe. Não lembro. Nem sabia que a Leonor tinha uma médica que trabalhava no Samdu. Mas o que é que tem essa médica?
– Ela explodiu…
– Explodiu?
– É. Explodiu.
– Mas como ela explodiu?
– Ah, não sei… às vezes ela comeu muito…
– Mas ninguém explode porque come muito não, mãe! Senão a gente já tinha explodido tudo aqui em casa.
– Mas lembra do caso da “Dona Redonda”?
– Mas isso era novela, mãe! As pessoas não explodem assim na vida real…
– Mas foi o que a ‘Leonor disse na carta… – Minha avó e a ‘Leonor se comunicavam por cartas – que a vida dela tá muito complicada essa semana, desde que a doutora explodiu.
Minha mãe, já versada na dupla de amigas que vivia se embaralhando nas conversas, pediu para ver a carta. Sabia também que a alfabetização longínqua, somada às respectivas cataratas, gerava constantes problemas de leitura e pequenos mal-entendidos. Foi mal ela começar a ler e teve uma crise de riso.
– Didi, para com isso. A mulher morreu e você tá aí rindo!
Depois de recobrar o fôlego, minha mãe explicou a confusão à minha avó. A carta não falava sobre médica nenhuma. Era sobra a adutora (de água), que ficava no Guandu, um bairro do Rio de Janeiro (não tinha nada se Samdu). Naqueles dias, um rompimento na tubulação havia interrompido o abastecimento de água, causando alguns transtornos para os moradores da região onde a Eleonor morava.
Mais aliviada, minha vó riu junto com minha mãe. E, depois, riu junto a Eleonor. As duas adoravam lembrar das próprias histórias, de quantas gafes elas já haviam cometido. Minha avó morreu aos 89 anos. Poucos meses depois, a Eleonor foi se encontrar com ela. Aposto que o céu está bem mais divertido desde então.
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Este texto foi escrito especialmente para a apresentação “Água da minha sede”, dos Contadores de Histórias do Granbery, que entrou em cartaz em setembro de 2018.